terça-feira, 8 de março de 2011

RESTAM A SAUDADE E AS MEMÓRIAS.

Depois de nos mêses de Janeiro e Fevereiro ter visto partir os meus vizinhos Hélder Pedro Avelino Ribeiro (28 Janeiro), Elisa Malaquias (11 de Fevereiro), Vitor Manuel Lopes Henriques e, ainda, o fadista Zé Freire (ambos a 25 de Fevereiro), eis que em Terça-feira gorda me chega a noticia do passamento do reverendo Padre Fernando dos Santos Diogo.
Recupero o que escrevi a dada altura neste blog sobre uma
história que me contaram e outras que com ele comparti.

Meu vizinho desde sempre, pois aqui nasci no Bairro Paio de Pele, o Senhor Hélder Ribeiro morava na casa que, em tempos, foi pertença daquele que veio dar nome à travessa onde se situa "A Porta Aberta", António Severiano de Seixas.
Confidenciou-nos essa curiosidade numa "Tertulia de Poesia" que a Biblioteca Municipal levou a efeito há uns meses, dedicada a esse escritor e poeta Chamusquense.

Foi um dos pioneiros dos nossos Bombeiros Voluntários e diversas vezes elemento da Direcção do Sport Chamusca e Benfica.
Integrou os quadros nos serviços da Câmara Municipal da Chamusca como amanuense.
Curiosamente, interpretou o papel de "D. António" na Opereta "Campinos Mulheres e Fado" que nos principios de década de sessenta se apresentou na Chamusca, precisamente o mesmo papel que eu, quase cinquenta anos passados, viria a exibir.
Falávamos amiúde da Festa de Toiros pela qual, como aficcionado antigo, nutria grande admiração, e do "nosso" Benfica do qual recordava com saudade os tempos aureos das conquistas Europeias.

A vizinha Elisa, depois de uma vida de trabalho em França, voltou à sua terra natal e aqui, no Bairro Paio de Pele, viveu os ultimos dias da sua vida.

Para além de minha vizinha era também minha cliente e, naturalmente, sempre trocavamos dois dedos de conversa.

Falava-me essencialmente das preocupações que a envolviam de ter os netos, Ricardo e Sofia, longe, em Barcelona e em Londres, respectivamente, mas era um regalo vê-la alegre com a presença do bisneto.
Um dia, e sabendo do seu carinho pelo José Cid, aproveitando uma breve passagem dele pela minha casa, tomei a liberdade de a ir chamar.

Mal entrou e ao deparar-se com o Zé logo suspirou: "Ai o meu Menino"...

Desde que o meu Pai abriu o estabelecimento comercial no Largo Vasco da Gama em 1963, por ali eu deambulava e ali fui crescendo.
Ali, bem pertinho, a Pensão Familiar da vizinha Ermelinda era ponto de encontro dos miúdos, para nos juntarmos ao Zé Pedro, um pouco mais velho que nós.
O Francisco Cruz, o Augusto Batista eu e o Zé partilhávamos jogos de cartas, passeios de bicicleta, jogos de bola no largo da Igreja.
O vizinho Victor, ao cair da tarde, lá vinha regressando de mais um dia de trabalho como carpinteiro da Alorna.

Debaixo de uma frondosa árvore, num banco corrido, ali passávamos o tempo com o Mestre, e velho campino, Eliseu Braz, com o seu barrete preto, e a simpatia de sua esposa Maria Amaro, pais da vizinha Ermelinda, sogros de Vitor Henriques.
Desde sempre dedicado à escrita e à poesia viu, em 1998, através da "Garrido-Artes Gráficas", ser editado um livro intitulado "Poesias de uma Vida".
Na página 186 dedicou um poema ao meu Pai, amigos de sempre.
Muitos contos e histórias terá escrito, manuscritamente, e que estarão guardados religiosamente nas gavetas da sua escrevaninha.
Também por ser meu cliente, fui acompanhando, semana após semana, o seu precário estado de saúde.
Faleceu o Homem, mas a sua obra o há-de imortalizar, assim como a sua amizade há-de permanecer na nossa memória.

Reparti com ele várias noites de Fado assim como tertulias de amigos em casa de Eduardo Semedo, de quem era amigo comum.
Em 1992, aproveitando a sua presença na Chamusca, no "Rouxinol da Caneira", celebrámos o acontecimento com uma foto juntamente com o Abel Ferreira.
Com uma voz melada, uma dicção perfeita, para além de fadista, foi um excelente comunicador de rádio.

Homem de esquerda mas com ideais monárquicos, convicto, o Zé Freire era essencialmente um Gentleman tendo-me apresentado há uns anos, numa das feiras da Golegã, a D. Tita Inglês. (Mal eu adivinhava o que futuro nos iria reservar....)
No domingo seguinte ao seu falecimento, tomei a liberdade de o homenagear cantando um fadinho, "Sonho Afadistado", no cine-teatro da Chamusca.

O Padre Diogo foi uma figura ímpar e sui generis da sociedade Chamusquense.
Nascido em Lisboa na freguesia de Santa Isabel, passou pelo Bombarral e radicou-se definitavamente na Chamusca, talvez, há uns 55 anos.

Faleceu hoje, terça feira de Carnaval, à beira de completar 93 anos (no próximo dia 27).
Um bom comensal, tertuliano, foi também meu professor de Religião e Moral, casou os meus pais, e baptizou-me assim como aos meus filhos Luis Filipe e Pedro Miguel.
O ultimo contacto que tive com ele foi, há pouco mais de um mês, no Lar da Santa Casa da Misericórdia. Pareceu-me acometido de Alzheimer. ´
Já não me reconheceu... mas eu reconheci-o... e bem.

2 comentários:

  1. Meu caro Raul, esta é a chamada "lei da vida" e a ela temos de vergar-nos... Nada a fazer...
    De entre todos esses seus amigos que aqui homenagea deixe que destaque o nosso comum amigo padre Diogo que agora nos deixou depois de nos últimos anos já pouco sentir e interpretar a vida.
    Com uma forma bem peculiar de estar na vida a todos nos marcou de certa forma e a todos deixa saudade. A sua voz pausada, rouca e única fica-me na memória, para além da sua bonomia e da sua simpatia! Que descanse em paz!

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