D. Afonso V não pôde levar consigo repórteres de imagem quando tomou Arzila e Tânger. Não houve reportagens em directo, relatos ao vivo por jornalistas a falar para as câmaras enquanto, ao fundo, as tropas cercavam as cidades do Norte de África e venciam batalhas. Estávamos no final do século XV e a forma mais aproximada que o rei português tinha de registar os seus feitos era mandá-los tecer em tapeçarias. Foi o que fez.
Agora, pela primeira vez, as quatro Tapeçarias de Pastrana encomendadas por D. Afonso V - enormes panos de armar com quatro metros de altura e 10 de largura - podem ser vistas (até ao dia 3 de Outubro) no Museu Nacional de Arte Antiga.
Como é que os quatro panos saíram do país é um mistério ao qual os historiadores não conseguiram ainda responder. "É muito misterioso", diz o director do MNAA, António Filipe Pimentel. Produzidas nas oficinas flamengas de Tournai no último quartel do século XV, "entraram em Portugal provavelmente já no reinado de D. João II, e em 1532, poucas décadas depois de terem sido feitas, aparecem em Espanha, no inventário dos bens dos duques do Infantado". Como foram lá parar, ninguém sabe.
O que se sabe é que foram herdadas pelos duques do Infantado, que mais tarde as cedem à Colegiada de Pastrana, onde ficaram desde então. O mundo esqueceu-as. Até que, no início do século XX, os historiadores de arte portugueses José de Figueiredo e Reynaldo dos Santos as "encontraram" em Pastrana.
"Durante o período da ditadura, Salazar tentou recuperá-las", contou ontem, numa conferência de imprensa no MNAA, o secretário de Estado da Cultura, Elísio Summavielle. Mas conseguiu-se apenas, na década de 1930, fazer cópias, que estão no Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães. É por isso que a exposição que o MNAA agora apresenta é considerada de extrema importância - resulta de uma colaboração com Espanha (e coincide com o 25.º aniversário do tratado de adesão de Portugal e Espanha à União Europeia).
Por detrás dos participantes na conferência de imprensa está uma das enormes tapeçarias - a que conta a tomada de Tânger e a única em que D. Afonso V não aparece. Ao fundo vê-se Arzila, já conquistada, as tropas portuguesas avançam pelo lado esquerdo em direcção a Tânger, que, no meio do pano, se mostra já deserta. Os seus habitantes, esses estão à nossa direita, saindo da cidade. "O sultão de Tânger estava ocupado com o ataque a Fez quando as tropas portuguesas se dirigiam para a cidade", explica António Pimentel. "Negoceia a rendição e os habitantes abandonam a cidade. É uma ocupação, não uma conquista, e por isso o rei abstém-se de se associar explicitamente a este episódio."
Imagem para a posteridade
Nas três outras tapeçarias - que contam o Desembarque, o Cerco e o Assalto a Arzila - o rei aparece identificado pelo seu estandarte, um rodízio que asperge gotas, e pela mais bela das armaduras e os mais ricos panos brocados. No Desembarque assistimos ao precipitar das tropas que enfrentam um mar agitado, seguindo o rei, que avançara primeiro para dar o exemplo. Mas alguns homens têm menos sorte do que o monarca e acabam por morrer afogados.
Na tapeçaria sobre o cerco, Arzila, com os seus telhados de telhas e as suas torres, parece uma cidade do Norte da Europa. Ao longe a frota portuguesa impressiona. Do lado esquerdo, o príncipe, do direito, o rei, a toda a volta os soldados, dezenas de rostos, de armaduras de pormenores (estes só se vêem verdadeiramente no pequeno filme de Catarina Mourão que passa numa sala lateral).
Por fim, o assalto. Reza a história que o alcaide de Arzila tentou render-se, mas o rumor de que a cidade já teria caído levou as tropas a avançar. A tapeçaria - como se fizesse um zoom à imagem do cerco - mostra a batalha e a vitória portuguesa.
Quando encontrou as tapeçarias em Pastrana, Reynaldo dos Santos colocou a hipótese de os cartões que lhes serviram de base serem da autoria de Nuno Gonçalves, o pintor a quem são atribuídos os Painéis de São Vicente. Essa hipótese foi entretanto afastada, mas, frisa António Filipe Pimentel, mostrar as tapeçarias ao lado dos painéis - algo que só é possível em Lisboa, porque os painéis não podem sair do museu (as tapeçarias estiveram anteriormente expostas em Bruxelas e Guadalajara, seguem depois para Toledo e Madrid e deverão estar em Guimarães em 2012) - é acrescentar novas leituras a esta história. É por isso que a exposição se chama "D. Afonso V e a Invenção da Glória. "Julga-se que terá sido após a [derrota na] batalha de Toro [1476], na altura em que D. Afonso V se retira para o convento do Varatojo, que encomenda este testamento político." Um gesto que faz dele muito mais do que um rei cavaleiro preocupado com conquistas, mas um homem já preocupado com a imagem que deixaria para as gerações futuras, "orientando a visão que a posteridade terá dele".
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